segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O outro lado


Havia algo de estranho naquela sensação. Ele tinha a impressão de estar flutuando e sem os movimentos. Se via deitado na cama e pensou: Calma! Deve ser mais um dos sonhos em que não consigo me mexer e gritar. Estava consciente, mas sem os movimentos do corpo. Nem os olhos sequer viravam de um lado para o outro. A respiração ofegante atrapalhava o retorno. Começou inspirar e expirar profundamente e nem isso colaborava para que ele voltasse. Será que estava morto? Esta ideia lhe passou pela cabeça e o fez sentir arrepios e o tal do frio na espinha que dizem sentir as pessoas que estão próximas da morte. Mas será que esse arrepio significava que já estava morto? Como saber? Se lembrou de todas as atividades do dia com detalhes, o café da manhã no refeitório da empresa que trabalhava, do almoço chato com clientes que por horas a fio discutiam assuntos sem importância sem chegar a lugar nenhum, da chegada em casa, de brincar com o cachorro, abrir correspondências, tomar uma dose de vodka, preparar um macarrão com queijo, comer e dormir. Não se sentiu mal, não bebeu além da conta e há alguns dias tinha pegado os resultados dos exames realizados anualmente e que para sua surpresa não apresentavam nada de anormal. Lembrar disso o aliviou e o fez tentar voltar para o seu corpo. Se debateu, fez força, tentou gritar e nada.... Com 39 anos, solteiro, boa aparência, bom emprego, não lhe parecia pertinente morrer logo agora. Lembrou da garota do fórum que paquerava. Mais alguns dias e estava certo que ela estaria ali naquela mesma cama em que tentava retomar o seu corpo. Mais algumas tentativas sem sucesso ele resolveu se locomover para o lado oposto da cama e conseguiu. Sentiu-se leve e com certo poder, o de voar, afinal sonhava com isso desde criança quando costumava pegar impulso em diversas superfícies para se imaginar voando. Era um sonho de criança que se concretizava. Por alguns instantes se conformou com a morte. Afinal, não teria mais que voltar ao trabalho chato que desenvolvia, nem se preocupar com a dívida do carro, com a hipoteca da casa, ler todos os dias os jornais para se mostrar informado e etc. Sentiu alívio, a sua única preocupação era o cachorro. Quem cuidaria do seu único amigo em vida? Certamente alguém arrumaria um dono para ele, assim esperava. Mas o que faria agora? Para onde iria? Os falecidos parentes não estavam lá para recebê-lo, nem nenhuma luz maravilhosa para que ele se guiasse. Então, resolveu que ficaria ali na sua casa por mais algum tempo e talvez ao amanhecer sairia para tomar um ar. Ar? Que ar? Não tinha sensibilidade alguma só mesmo a consciência.

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