segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Uma vida sem ensaio...

Todos estavam ansiosos por sua chegada, afinal, era um alívio tê-lo de volta depois de tamanha incerteza e preocupação. O êxtase era tanto que quando ele desembarcou sua família e amigos choraram. Choraram um choro de conforto por saberem que voltariam a tocá-lo, a fotografá-lo e a terem a presença daquele chefe de família por anos ainda (era isso que pensavam). O medo que permeava aquelas pessoas chegava ao fim e a partir de agora existia esperança de uma vida melhor.

O reencontro, apesar de não ser digamos assim tão emocionante como esperavam, teve um quê de carinhoso, os olhos se encontraram e de imediato identificaram as mudanças não só físicas, mas também psicológicas. Todos ali tinham aprofundado as suas marcas de expressão, agora já consagradas rugas, e havia uma sombra disfarçada que, principalmente, a mãe tentava dissipá-la para fazer daquele momento uma cena perfeita e feliz digna de um filme de Hollywood. O problema é que nenhuma cena hollywwodiana se mantém para todo o sempre numa realidade marcada por mortes, pela fome e por um sofrimento que só quem viveu a guerra pode decifrar. Não que eu coloque de escanteio os coadjuvantes desse cenário de terror. É claro que os órfãos, as esposas, irmãs, filhas e namoradas dos combatentes são relevantes nesse panorama e dão todo o romantismo para os bastidores de uma guerra. Se não fossem eles o que seria dos amores, das cartas e dos reencontros como este relatado aqui, não é mesmo?! Pois bem, o fato é que aquela mulher, mãe e esposa não tinha essa consciência e se achava no direito de poder dirigir um filme com final feliz. Para ela, cenas infelizes não estavam no script e ela não queria contá-las, ou melhor, vivê-las.

Aconteceu justamente o contrário do roteiro criado por aquela senhora. Ele, o marido, por nem um só momento retomou o brilho no olhar, o vício da bebida tomou conta, só quando alcoolizado se permitia compartilhar algumas das assombrações vividas com quem estava ao seu redor. No período que serviu ao exército escreveu um diário que nem com reza brava deixava alguém por as mãos, quiçá ler. Tinha uma agressividade intrínseca como que para disfarçar as fragilidades e arrependimentos. Chorava muito, escondido, lógico. Não se deixou nunca mais ser fotografado, não participou de nenhuma só festa e nem de nada. Nem mesmo quando seu neto nasceu foi capaz de segurá-lo nos braços. Dizem as más línguas que ele estava enlouquecendo. Eu acredito piamente que sim e mais, acredito ter tido sua consciência amputada. Que lhe arrancaram a paz necessária para seguir vivendo. Que o remorso e a dúvida se tudo aquilo valia ou valeu a pena é o único pensamento sem resposta que habita a sua mente não dando espaço para as frivolidades de uma vida comum.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O caderno vermelho com bolas azuis

Ao seu redor tudo branco e frio! Parecia neve, mas não era neve. Ninguém conseguiria se manter viva diante de tanto gelo apenas usando uma regata e shorts. Naquele lugar não havia nem um movimento de humanos, apenas algumas aves planavam sob a neblina que aplacava aquela solidão. Porque uma menina de apenas sete anos estava ali sozinha. Como havia chegado? Acomodada no meio da paisagem cinza ela sentia medo e às vezes choramingava. Trazia consigo uma pequena caderneta de capa vermelha com bolas azuis e um lápis. Escrevia com tanta fúria como se quisesse colocar naquele caderno todos os assombros que habitavam sua mente. Pensava como tinha ido parar naquele lugar, apesar de ser a sétima ou oitava vez, ela não recordava o que a levava até lá e nem o caminho.Só lembrava que do outro lado ela vivia uma vida alegre, acompanhada de sua família e amigos. Que comia algodão doce aos sábados e passeava de bicicleta com seus pais. O único item que figurava em suas duas vidas era o caderno vermelho de bolas azuis, mas tanto de um lado quanto do outro, apesar de escrever sempre, as páginas apareciam em branco. Era como procurar algo no vazio. Na paisagem cinza perdia a noção do tempo, não sentia sede, nem fome. Tinha apenas medo e uma necessidade de entendimento gigante, porém, quando estava chegando perto de desvendar o grande mistério, aparecia de volta em sua casa, assustada porque o tempo não tinha passado e tudo estava como antes. Por uma semana respirava aliviada quando então se percebia sentada novamente no meio do cinza com seu caderno, sem uma linha escrita, apesar, das horas que gastava escrevendo aqui e lá ou lá e aqui.